Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 02/11/2019 às 18:17:42

A Morte não é o Fim

No dia 02 de novembro, nós católicos celebramos o “Dia dos Finados. A expressão não é muito adequada. Deveríamos dizer “Dia dos Iniciados”, pois nossa fé nos ensina que a morte não é o fim, mas o início. Com a morte nós iniciamos a verdadeira vida, onde “ninguém mais vai sofrer, ninguém mais vai chorar, ninguém vai ficar triste”. Na vida após a morte, todas as lágrimas serão enxugadas, não haverá mais luto, nem grito, nem dor (Apc 21,4). No céu, para onde iremos após a morte, o ladrão não chega, nem seremos incomodados pelas traças (Lc 12,33). Expressamos esta nossa fé com a seguinte oração: “Senhor, para os que crêem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível”.

 A fé cristã nos ensina também que o Espírito Santo habita nosso corpo, dando-lhe alta dignidade. Nosso corpo, mesmo depois da morte, merece ser respeitado. Não se pode jogar o corpo de um cristão em qualquer lugar e de qualquer jeito. Por isso, a Igreja sempre reservou aos corpos de seus fiéis uma digna sepultura. Nem sempre da mesma forma, mas sempre com muita dignidade. A mais comum das formas tem sido a inumação, ou seja, enterrar o corpo sem vida. Mas a cremação também aconteceu com certa regularidade entre os cristãos, principalmente em situações de guerra, ou de calamidade pública, como terremotos, inundações, e epidemias.

 Por volta do século XVIII uma onda anticristã incentivou a prática da cremação para hostilizar a Igreja e seus fiéis. Em reação, a Igreja declarou excomungado, portanto, excluído dos funerais cristãos, todo católico que optasse pela cremação do próprio corpo, após a morte.

Nos últimos tempos, em clima de pluralidade e diversidade, a motivação para a cremação deixou de ser ideológica. Os motivos hodiernos são de caráter prático: higiene, ecologia e economia.  Diante desta nova realidade a Igreja voltou a permitir a prática da cremação de seus fiéis. Em 1963, a Congregação do Santo Ofício emanou uma Instrução com as seguintes considerações:

 A Igreja sempre se esforçou por inculcar a inumação dos cadáveres [...], cominando penas canônicas contra os que agissem contra tão salutar praxe; [...]. A cremação hoje, com freqüência é pedida, não por ódio contra a Igreja ou contra os usos cristãos, mas somente por motivos higiênicos, econômicos ou de outro gênero, de ordem pública ou privada. A tais pedidos a Igreja, temperando o seu especial cuidado do bem dos fiéis com a consideração de todas as necessidades destes, decidiu prestar-lhes ouvido, estabelecendo o que segue:[...], doravante não mais se proíba a cremação, senão somente quando conste que ela seja querida como negação dos dogmas cristãos, ou com ânimo sectário, ou por ódio contra a religião católica e contra a Igreja.

 A partir destas orientações a prática da cremação se generalizou e, com ela, certos costumes contrários à fé cristã. Em certos países tornou-se comum as chamadas “exéquias sociais” em que as pessoas são cremadas e suas cinzas são enterradas em lugares anônimos. Com este gesto as pessoas desejam desaparecer sem deixar rastro. Outras vezes, as cinzas são jogadas no mar, nas montanhas e nas florestas, numa concepção panteísta de se fundir na natureza.

 A nova prática provocou novas orientações. No dia 15 de agosto de 2016, a Congregação para a Doutrina da fé publicou outra Instrução, intitulada Ad Resurgendum cum Christo.

Enterrando os corpos dos fiéis defuntos a Igreja confirma a fé na ressurreição da carne, e deseja colocar em relevo a grande dignidade do corpo humano como parte integrante da pessoa da qual o corpo condivide a história. Não pode por isso, permitir comportamentos e ritos que envolvam concepções errôneas sobre a morte: seja o aniquilamento definitivo da pessoa; seja o momento da sua fusão com a Mãe natureza ou com o universo; seja como uma etapa no processo da reincarnação; seja ainda, como a libertação definitiva da “prisão” do corpo. [...].

Quaisquer que sejam as motivações legítimas que levaram à escolha da cremação do cadáver, as cinzas do defunto devem ser conservadas, por norma, num lugar sagrado, isto é, no cemitério ou, se for o caso, numa igreja ou num lugar especialmente dedicado a esse fim determinado pela autoridade eclesiástica. [...].

Pelos motivos mencionados, a conservação das cinzas em casa não é consentida. [...].

Para evitar qualquer tipo de equívoco panteísta, naturalista ou niilista, não seja permitida a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água ou, ainda, em qualquer outro lugar. Exclui-se, ainda a conservação das cinzas cremadas sob a forma de recordação comemorativa em peças de joalheria ou em outros objetos,...

Depois de todas essas orientações, não deixemos de crer como Santa Teresinha que dizia: “Eu não morro, eu entro na vida”.

 

Dom Manoel João Francisco

Bispo Diocesano


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