Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 12/07/2017 às 15:52:15

Semeador

A liturgia do próximo domingo traz, para a nossa reflexão, a parábola do semeador que saiu a semear, narrada pelos evangelistas Mateus, Marcos e Lucas. No decorrer dos séculos, esta parábola, de notável beleza poética, foi muito comentada. São João Crisóstomo, Bispo de Constantinopla que viveu no século V, numa homilia a seus fiéis fez o seguinte comentário.

         Não é concebível, me direis vós, que se semeie entre os espinhos, em terreno pedregoso e na beira da estrada. Digo-vos que, de fato, a coisa seria absurda, se fosse semeadura terrena feita neste mundo. No entanto, é muito louvável esta semeadura, dado que se trata de almas e da doutrina divina. Com certeza, seria repreendido o agricultor que, deste modo, desperdiçasse as sementes. O terreno pedregoso, jamais se tornará terra boa, o caminho não vai mudar e os espinhos continuarão espinhos. Mas não é assim, na ordem espiritual. As pedras podem mudar e se tornarem terra fértil. A estrada mais batida pode deixar de ser pisada e aberta a todos os passantes, para tornar-se campo produtivo. Os espinhos também podem desaparecer para deixar crescer e frutificar com toda a liberdade o grão semeado. Se estas mudanças fossem impossíveis o Senhor não teria semeado. E se a transformação não aconteceu em todos, a culpa não é do semeador, mas daqueles que não quiseram mudar de vida. O semeador realizou aquilo que era de sua competência. Se os homens não corresponderam à sua obra, não é responsável o semeador que testemunhou tão grande amor pelos homens.

         Prestai atenção, vos peço, pois o caminho da perdição não é único, mas vários, bem diferentes, e distantes uns dos outros. É claro que as almas comparadas com o “o caminho” são os negligentes, os tépidos e os relaxados. Os que são representados pelo “terreno pedregoso” são os fracos. De fato, Cristo declara: “A semente que caiu em terreno pedregoso é aquele que ouve a palavra e logo a recebe com alegria; mas ele não tem raiz em si mesmo, é de momento: quando chega um sofrimento ou a perseguição por causa da palavra, ele desiste logo”. E antes havia dito: “Todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a compreende, vem o maligno e rouba o que foi semeado em seu coração. Esse é o que foi semeado à beira do caminho”. Não é, portanto, a mesma coisa desprezar o ensinamento divino, quando não somos molestados ou perseguidos, ou perdê-lo quando nos sobrevém provas e tentações. De todas estas situações, os menos dignos de perdão, sãos que foram comparados com os espinhos.

         Se quisermos evitar que qualquer coisa semelhante nos aconteça, acolhamos a Palavra de Deus com o fervor de nossa alma e com a recordação constante de nossa memória. Se o diabo se esforça para nos roubar, depende de nós anular os seus esforços. Se a planta seca, não é por causa do excesso de calor. Jesus não disse que foi o calor que secou a planta, mas o fato de não ter raiz em si mesma. Se a Palavra divina for sufocada, não foi por culpa dos espinhos, mas daqueles que os deixaram crescer (In Math 44,3s).

         Em nossos dias, o Papa Francisco, comentando a mesma parábola, usa igual chave de leitura e afirma que “o verdadeiro protagonista é a semente, que produz mais ou menos frutos, de acordo com a terra sobre a qual caiu. Os primeiros três terrenos são improdutivos. À beira do caminho os pássaros comem a semente. No terreno pedregoso, as mudas secam imediatamente porque não têm raízes. Em meio aos arbustos, a semente é sufocada pelos espinhos. A quarta terra é a boa, e somente ali a semente produz frutos.

 

         Esta parábola, frisa Francisco, hoje fala a cada um de nós, como falava aos que ouviam Jesus dois mil anos atrás. Recorda-nos que somos o terreno onde o Senhor lança incansavelmente a semente da sua Palavra e do seu amor. Todavia com que disposição a acolhemos? Com que terra nos parecemos? Com a beira do caminho, com um pedregulho, ou com um terreno cheio de ervas daninhas? Depende de nós nos tornar terra boa, sem espinhos nem pedras, mas arada e cultivada com carinho, para que possamos produzir bons frutos para nós e para nossos irmãos.

         Como podemos notar, através destes dois comentários, um lá do começo da Igreja e o outro, de nossos dias, a forma como acolhemos a Palavra de Deus é de fundamental importância. Quem é fiel a Deus e cultiva a fé sente a alegria de poder verificar que a Palavra cresceu e se desenvolveu porque seu coração é terra fértil. Se, ao contrário, alguém perceber que a Palavra de Deus não teve efeito em sua vida, tem tempo ainda para se penitenciar e transformar-se em terra boa.


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